Se tem algo que me deixa muito revoltada é quando alguém me pergunta sobre meu curso universitário, e ao responder que faço LETRAS, ouço sempre os mesmos questionamentos:
- Tu gosta desse curso?(= meu curso de “exatas” é muito melhor e vai me deixar rico).
Logo depois vem:
- O que faz um estudante de Letras?(= faz de conta que estuda e fica passeando o dia inteiro).
E pra terminar a derradeira pergunta:
- E tu vai ser... PROFESSORA é?(= tá FUDIDA na vida!).
Pois aí vai então a minha defesa ao curso de Letras:
Eu não gosto, eu ADORO o curso de Letras. E eu não estou me referindo (apenas) ao fato de ir à faculdade, de estudar no CAC (o centro mais legal da UFPE), das amizades que fiz lá e nem dos incríveis mestres a quem chamamos de nossos professores (e nem preciso citar nomes).
Eu acho muito digno sentar numa banca todos os dias e não simplesmente ouvir e aceitar tudo o que o professor tem a dizer, transferindo o assunto pro caderno sem nenhum raciocínio crítico do conhecimento que nos é passado, pelo contrário, somos incitados a criticar, a questionar, a propor novas idéias, a ver o mundo sob outro ângulo.E nos aprofundar em mudar os rumos da educação do país, sabendo que somos nós que vamos gerar o futuro. E aprender que a gramática é muito mais que sujeito, objeto e essas chatices que aprendemos na escola. Que a literatura tem muito a nos dizer quando mergulhamos no universo de Machado de Assis, Clarice Lispector e esses tantos outros autores que nos tiram fôlego e para alguns são apenas uma leitura “bonitinha”. Nós podemos meter nosso
bedelho e afirmar que aquilo é bom, mas principalmente, porque é bom, com embasamento e teoria pra isso.
O que um estudante de Letras faz é estudar todo o universo ao nosso redor, pois nós estamos cercados de linguagem. Como metaforizou “Bagno” (ah, você não sabe quem é? Desculpa você não faz Letras) num prefácio de um livro “o homem sem linguagem é como um peixe fora d’água”, lembrando aquela canção: “como pode um peixe vivo viver fora da água fria...”.
É discutir a análise de um texto literário ou de qualquer tipo de texto, é não apenas aprender a gramática, mas teorizar, discutir a problemática e propor novas medidas na educação. Estudar a linguagem, sem simplesmente dizer se isso é certo e aquilo errado e sim como o uso se faz necessário.
É saber a diferença entre palavra e vocábulo; entre morfema, lexema e gramema; entre gramática normativa e funcionalista.
É saber perfeitamente fazer divisão silábica, contar a métrica, o ritmo e as rimas de um poema ou saber décor os versos de Os Lusíadas ou d’A Divina Comédia.
E estudar cultura, literatura, língua, linguística, latim...
E sim! Eu vou ser PROFESSORA! COM MUITO ORGULHO!
Eu vou formar os futuros engenheiros, médicos, advogados do Brasil afora. Eu vou dominar todos os dias um leão e soltar borboletas. Eu vou acreditar que meus alunos farão deste um país melhor, serão adultos conscientes e seres humanizados.
Eu vou dá o melhor de mim todos os dias, mesmo recebendo farpas e essas mesmas perguntas freqüentes, que incluem também:
Professora pra que estudar gramática? Pra que ler José de Alencar, etc.
E ter que me desdobrar até achar uma resposta satisfatória que dê a esses alunos o prazer de aprender que eu tenho ao ensinar.
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